Startseite Simone Homem de Mello (ed.): Transluminura. Revista de Estética e Literatura. 1. Haroldo e outros, São Paulo 2013 (166 págs.).
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Simone Homem de Mello (ed.): Transluminura. Revista de Estética e Literatura. 1. Haroldo e outros, São Paulo 2013 (166 págs.).

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Veröffentlicht/Copyright: 15. November 2014
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A revista eletrônica Transluminura foi publicada pela primeira vez no final do ano passado por ocasião do décimo aniversário de falecimento do poeta e tradutor brasileiro Haroldo de Campos. Ela é o resultado de uma iniciativa do Centro de Referência Haroldo de Campos, da Casa das Rosas, em São Paulo, que, entre outras coisas, abriga a maior parte da biblioteca privada do poeta.

O título da revista, que será publicada anualmente, faz referência a um termo com o qual de Campos nomeava a reécriture ou “reimaginação” de textos de outros autores. Ele também aplicou a palavra de formas variadas, como título de seção em três dos seus livros de poesia, A Educação dos cinco sentidos (1985), Crisantempo (1998) e Entremilênios (2009 póstumo). Nesse sentido, Transluminura reflete o objetivo principal da revista, que segundo a editora e coordenadora do Centro de Referência Haroldo deCampos, Simone Homem de Mello, é pensar sobre o diálogo entre os diferentes discursos poéticos presentes na obra do poeta.

A primeira edição, que tem o subtítulo “Haroldo e outros”, inclui nove colaborações de autores internacionais, que tratam de alguns dos interesses e facetas mais fundamentais do “universo haroldiano”.

Antônio Sérgio Bessa, teórico da literatura e diretor de programas curatoriais e educativos no Bronx Museum of Arts, Nova York, discute no seu artigo “Ruptura de estilo em Galáxias de Haroldo de Campos” (págs. 11–29) a obra principal do poeta (work in progress, 1984). Partindo do ensaio haroldiano “O Afreudisíaco Lacan na Galáxia de Lalíngua” (1998), Bessa tematiza o papel do estilo nos fragmentos polifônicos e, referindo-se à análise S/Z (1970) de Barthes, chega à conclusão de que o poeta paulistano acolhe “a ruptura como uma estratégia” (23), celebrando um “hibridismo em muitos níveis” (24) e inaugurando, assim, uma “contracultura brasileira” (24). Galáxias seria, neste caso, um texto paradigmático que inspirou um novo estilo na arte e literatura brasileiras (praticado, por exemplo, por Waly Salomão e Hélio Oiticica).

Leda Tenório da Motta, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, também se dedica à reflexão teórica e poética do concretista sobre Roland Barthes. Em seu artigo intitulado “Haroldo & Barthes” (págs. 95–105), ela parte do fato de que Haroldo de Campos foi um dos primeiros críticos no Brasil a reconhecer a grande importância das obras de Barthes para um “novo entendimento da literatura” e sublinha “a comum referência de ambos à semiótica jakobsoniana” (97). Focaliza, neste contexto, a “grande briga de ambos com as sociologias da literatura formuladas pelas letras universitárias” (98). Evidentemente, a autora faz referência ao trabalho muito criticado de Barthes, Sur Racine (1963), no qual este tenta fazer uma re-interpretação do poeta. De Campos, por outro lado, aspira também a uma revisão da história literária do Brasil no seu livro O sequestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira (1989), revalorizando o caso do poeta baiano Gregório de Matos (1636–1696, contemporâneo de Racine). A autora destaca, neste contexto, a semelhança nos procedimentos de Barthes e do poeta brasileiro: “mesmas bases semióticas, mesma visão do tempo longo, mesma inclinação a confundir crítica e literatura, mesma tomada de distância em relação aos ‘escritores, intelectuais, professores’ bem instalados em sua autoridade” (98–99). O artigo apresenta-se, a partir desse momento, como uma defesa da “obra que debate a tese mais acatada do mais acatado dos críticos” (99) e do próprio Haroldo-crítico, imputando, justificadamente, aos “inimigos da intertextualidade e Derrida” (102) um sequestro do Sequestro, um “pacto de não menção” (99). O artigo retoma e modifica o capítulo “Ressonâncias brasileiras” do livro Roland Barthes – uma biografia intelectual (2012) da autora.

Lucia Santaella, professora titular em Comunicação e Semiótica e em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP), centra-se na dialética entre criação e teoria na obra do poeta, como já revela o título do seu artigo “Haroldo de Campos: circuito reversível criação-teoria” (págs. 107–117). Santaella, que foi aluna do próprio autor na PUC-SP, mostra em que medida de Campos desenvolveu uma “nova visão da historiografia literária brasileira” (112), relacionada ao conceito da “razão antropofágica”, que carateriza também a própria obra do autor e especialmente as suas transcriações. Outro autor que discute a obra crítica do poeta paulistano é Luiz Costa Lima, professor emérito da PUC-R. Em seu artigo, “Haroldo, o multiplicador” (págs. 119–136), Costa Lima focaliza a perspectiva particular e inovadora que de Campos, na sua qualidade de “crítico de invenção”, ocupa em relação a dois textos “clássicos”, Iracema, de Alencar, e Meu tio o Iauraretê, de Guimarães Rosa. Fala, neste contexto, de um “resgate” de Iracema por Haroldo de Campos que “louva o romance indianista não porque explore um tempo próximo de nossa ‘essência’ (!), mas sim porque, nele, Alencar intuía que o problema das literaturas do Novo Mundo se enraizava na linguagem” (129).

Em dois artigos se discutem as aproximações do paulistano com a literatura alemã, cuja relevância tem sido pouco percebida por parte dos leitores de língua alemã até agora – como constata, com muita razão, Márcio Seligmann-Silva, professor de Teoria Literária da Unicamp, no final do seu ensaio (156). Em seu texto, intitulado “Alles ist Samenkorn/Tudo é semente: O germanista Haroldo de Campos” (págs. 137–158), citando Novalis e uma transcriação haroldiana do mesmo, o autor se propõe a enfrentar o desafio de revelar as muito variadas e complexas relações do poeta com a cultura e a literatura alemãs em três marcos: “sua leitura da teoria literária e estética de língua alemã; suas transcriações do alemão e [...] sua deglutição e metamorfose da cultura alemã dentro de sua obra poética” (140). Na última parte do artigo, Seligmann-Silva dirige a atenção para dois fragmentos de Galáxias, nos quais de Campos faz referência de forma explícita ao Holocausto. A presença (explícita como implícita) desse tema, das catástrofes do século XX em geral, tem, ao meu ver, uma importância significante para a compreensão da concepção da obra, livro de epifanias e antiepifanias, que merece uma análise mais profunda. Neste contexto, é imprescindível levar em consideração as viagens do poeta – que são o ponto de partida e a grande inspiração para este livro – antes e durante o processo de criação de Galáxias, seguindo, assim, a rota haroldiana. E as viagens à Alemanha e a Praga desempenham, sem dúvida, um papel especialmente relevante. Nesse sentido, é uma contribuição particularmente feliz a integração de um texto da semioticista e tradutora alemã Elisabeth Walther-Bense, que serviu de base para uma palestra no Wilhelmspalais, em Stuttgart, em 10 de setembro de 1994 e foi atualizado em 1997. Em “A relação de Haroldo de Campos com a Poesia Concreta alemã, em especial com Max Bense” (págs. 65–80; tradução: Simone Homem de Mello), a autora descreve minuciosamente as correspondências e encontros entre o concretista brasileiro e seu marido, o filósofo e semioticista Max Bense, a partir do primeiro contato em 1959 até a morte do último em 1990.

Outro autor que apresenta as próprias lembranças do poeta, é Charles A. Perrone, professor de Português e de Literatura e Cultura Luso-Brasileiras na Universidade da Flórida: “Laudas, lances, lendas e lembranças: Haroldo na Austineia Desvairada” (págs. 41–64). Perrone foi aluno de Haroldo de Campos quando este, em 1981, passou um semestre em Austin como Tinker Professor da Universidade do Texas. No seu texto bastante pessoal, Perrone apresenta, além de algumas lembranças particulares e anedotas, também fotocópias de datiloscritos guardados por ele até hoje e quatro tentativas comentadas de transcriar um dos poemas mais representativos do concretista, “nascemorre”, para o inglês.

Horácio Costa, poeta, tradutor e professor do Departamento de Literatura Portuguesa da USP, reflete no seu artigo, “Apontamentos sobre o poema longo na América Latina” (págs. 81–93; tradução do espanhol de Sérgio Molina), sobre a volta ao gênero do poema longo, no caso dos poetas mexicanos José Gorostiza (Muerte sin fin, 1938) e Octavio Paz (Piedra de Sol, 1956) e dos brasileiros Jorge de Lima (Invenção de Orfeu, 1952) e Haroldo de Campos (A Máquina do Mundo Repensada, 2000). Chega à conclusão de que a forma moderna do poema (o ponto de partida das considerações do autor são o Estridentismo, no México, e o Modernismo Brasileiro) simplesmente não era adequado ou eficaz para o conteúdo a ser comunicado nos quatro exemplos. Enquanto ele detecta o Primero Sueño, de Sor Juana Inés de la Cruz, como nexo comum entre os poemas dos dois mexicanos (ao meu ver, o texto paradigmático de Sor Juana é de significante relevância também para o “cosmopoema” haroldiano e, talvez, para a obra do poeta em geral), identifica Os Lusíadas, de Camões (e, através dele, a Divina Commedia), como principal fonte de inspiração para Jorge de Lima e Haroldo de Campos – considerando, é claro, também A Máquina do Mundo, de Drummond.

A revista é enriquecida por uma tradução comentada do poema “o anjo esquerda da história” para o italiano (págs. 31–39), feita por Aurora Bernadini, que tem trabalhado na tradução da poesia de Haroldo de Campos desde 1980. No poema, de Campos expressa sua indignação com o massacre de dezenove sem- terra em Eldorado de Carajás em 1996. O poema foi publicado na coletânea Crisantempo (1998).

A primeira edição da Transluminura prova que ainda existem muitos aspetos na obra do poeta, tradutor e crítico, que merecem ser pesquisados. O “universo Haroldo de Campos”, com sua obra profundamente heterogênea e os muitos contatos com intelectuais em todo o mundo, tem ainda muitos cantos escondidos. É surpreendente, especialmente, a escassa recepção do poeta por acadêmicos europeus, considerando a grande relevância que teve a história (literária) europeia na obra do poeta. A segunda edição, planejada para finais de 2014, tratará das relações do concretista com as artes plásticas.

Published Online: 2014-11-15
Published in Print: 2014-11-1

© 2014 Walter de Gruyter GmbH, Berlin/München/Boston

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